quinta-feira, 24 de maio de 2012

Opinião: A Saúde na Terra de Ninguém


A cada medida tomada, a cada ideia proposta, a cada uso da palavra adensa-se a dúvida: a política de saúde deste governo ultra-troikista, procura a racionalização dos cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde ou antes o seu racionamento? Custe o que custar, não importa como. Sejamos hercúleos em vez de piegas, saibamos ouvir o triste fado como oportunidade para cantarmos alegremente a vontade dos mercados. Lida a sentença de um crime que não conhecemos, cumprimos a pena docilmente e apertemos o cilício. Em nome de uma austeridade sem fim, fatalista e punitiva, todos os meios necessários são justificáveis para assegurar uma sustentabilidade (?) imediata. 

Para este esboço de direita social-democrata e cristã, o papel pretendido para SNS afigura-se caritativo em vez de solidário. Caminhamos para um SNS mínimo, para um mínimo de cidadãos? Um SNS cada vez mais orientado para menos cidadãos, adequado para os desfavorecidos, nivelado por baixo, demasiado “pesado” para um serviço privado ainda discreto? Uma receita simples e eficaz para a doença da sustentabilidade: um SNS desnatado e emagrecido servirá adequadamente os mais pobres e desfavorecidos, enquanto aqueles com mais recursos facilmente poderão recorrer à excelência e requinte dos serviços privados. 

Aplicada esta fórmula, a tormenta desaguará num país divido em dois sistemas, separados pela “terra de ninguém” - a classe média. Assim, de forma a recorrer a cuidados de saúde a grande maioria da população oscilaria alegremente entre níveis de sustentabilidade e insustentabilidade financeira, dependendo da complexidade dos cuidados exigidos. A título de exemplo, o tratamento de doenças graves ou crónicas seria impossível de sustentar pelo próprio doente com um nível médio de rendimentos. No entanto, a exclusão, ou pelo menos a limitação ao acesso a cuidados de saúde, contradiz os valores fundamentais que regem o SNS. Este constitui um dos êxitos mais marcantes do nosso regime democrático e constitucional, conseguindo em cerca de trinta anos transformar radicalmente o panorama sanitário do país. O SNS tal como o conhecemos define-se como um contrato social, baseando-se nos valores da solidariedade, previdência e inclusão. Todos os cidadãos são incluídos neste contrato independentemente da sua condição física, económica ou social. 

O carácter universal e inclusivo do SNS representa um dos mais importantes factores de coesão social na nossa sociedade, pelo que urge defender os valores democráticos conquistados e que hoje são postos em causa nestes momentos de crise. Agora e mais do que nunca!


 Pedro Fins Pereira

Adjunto do Secretariado da JS Santarém

Eleito à Comissão Política Federativa da JS Ribatejo

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